Economistas e investigadores apontam para um sistema fiscal opaco que beneficia milionários e alimenta a criminalidade.
A Madeira, conhecida pelas suas paisagens deslumbrantes e clima ameno, tem sido apontada como um “paraíso fiscal” que atrai investimentos de todo o mundo.
No entanto, por trás desta fachada de prosperidade, existe um lado obscuro que preocupa economistas, investigadores e ativistas.
Um sistema fiscal opaco
O economista João Pedro Martins, autor do livro “SUITE 605”, que conta a história secreta de centenas de empresas sediadas no offshore da Madeira, afirma que o sistema fiscal da ilha é “um ninho de corrupção e um viveiro do crime organizado”.
Segundo Martins, “o offshore da Madeira é um sistema que não é escrutinado por ninguém. As autoridades locais fecham os olhos e convidam as máfias para ali lavarem dinheiro a céu aberto”.
Esta opinião é partilhada por outros especialistas, como João Paulo Batalha, diretor executivo da Transparência e Integridade – Ação Cívica (TIAC), que considera que “há uma promiscuidade enorme entre o fisco, o Governo regional (da Madeira) e o Centro Internacional de Negócios”.
Esta promiscuidade, segundo Batalha, facilita a abertura de empresas offshore sem quaisquer controlos sobre a origem dos capitais investidos, o que aumenta os riscos de branqueamento de capitais.
Isabel dos Santos na mira
Uma investigação recente da emissora pública alemã Bayerischer Rundfunk (BR) revelou que a filha do Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, e presidente do
Conselho da Administração da petrolífera angolana (Sonangol), Isabel dos Santos, tem empresas com ligações ao offshore da Madeira.
Segundo o economista João Pedro Martins, Isabel dos Santos usa a Niara Holding, uma empresa fantasma incorporada na Madeira com um capital social inicial de apenas 6 mil euros, para controlar um conglomerado de empresas em Malta que, por sua vez, “coloniza” Portugal a nível financeiro. Martins afirma que Isabel dos Santos detém uma percentagem significativa de ações em bancos portugueses, domina a área das telecomunicações e está a “colonizar” a economia portuguesa com “dinheiro sujo”.
População local prejudicadaõ
Apesar dos investimentos estrangeiros apontados no Produto Interno Bruto (PIB) da Madeira, a população do arquipélago vive na pobreza, segundo a ONG Transparência e Integridade.
Ação Cívica. João Paulo Batalha denuncia que o PIB da Madeira é “muito inflacionado pelos lucros que são reportados pelas empresas do offshore”, mas que estes lucros não são investidos na região. “Quando se vai àquela região, vê-se a forma como as pessoas vivem. A Madeira continua a ser uma das regiões mais deprimidas, com mais pobreza, com mais desigualdade”, afirma Batalha.
Combate à corrupção
Os especialistas defendem que o combate a este flagelo de fluxos financeiros ilícitos deve contar com a cooperação internacional, envolvendo entidades públicas e privadas, bem como a sociedade civil.
Acreditam que a justiça portuguesa deu um passo significativo ao acusar Manuel Vicente, ex-presidente da Sonangol, mas que é preciso continuar a investigar a rede de interesses que liga Portugal e Angola, com ramificações noutras jurisdições onde também há offshores ligadas a altas figuras do Estado angolano.
A Madeira continua a ser um paraíso fiscal para muitos, mas para outros é um “ninho de corrupção” que alimenta a criminalidade e prejudica a população local.