Tempestade na Alemanha tem padrão consistente com eventos ligados ao aquecimento global, dizem especialistas

A tempestade que matou mais de 100 pessoas na Alemanha e afetou outros países na Europa Central tem características consistentes com os eventos climáticos graves que os cientistas do clima associam ao aquecimento global.

Nesta reportagem, entenda em cinco pontos o que ocorreu na Alemanha e como os cientistas apontam padrões que permitem associar o evento ao quadro de emergência climática global.

Como a meteorologia explica as chuvas intensas na região?
Quais as perspectivas para os próximos dias?
Tempestades são comuns na região?
Além da chuva, outra condição colaborou para o desastre?
Por que a tempestade pode estar ligada ao aquecimento global?
Veja abaixo as respostas:

  1. Como a meteorologia explica as chuvas intensas na região?
    O cientista Shaun Harrigan, pesquisador do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF, na sigla em inglês), explica que basicamente o que houve na região foi a passagem de uma “tempestade lenta”, com origem no norte da Europa e que se estendeu por terra pelo oeste da Alemanha.

O meteorologista Marcelo Enrique Seluchi, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica que essa tempestade lenta teve origem em um sistema de baixa pressão “muito intenso”.

Os sistemas de baixa pressão são eventos causados pela elevação do ar quente, que transporta muita umidade e pode levar a chuvas intensas.

  1. Quais as perspectivas para os próximos dias?
    Seluchi aponta que o sistema de baixa pressão está se deslocando em direção à Itália e a países do leste da Europa. “Talvez vá provocar chuva na Turquia, um lugar onde chove muito pouco. O sistema está perdendo força, então acredito que o pior já passou, mas o que já passou é mais do que suficiente”, analisa o meteorologista.
  2. Tempestades são comuns na região?
    O pesquisador Shaun Harrigan explica que tempestades não são incomuns no verão nessa parte da Europa. “Elas não são tão prováveis, mas tempestades de verão podem definitivamente ocorrer. Naquela parte da Europa – Alemanha, Bélgica – as grandes inundações em geral tendem a ocorrer no inverno e outono: de outubro, novembro a fevereiro no Hemisfério Norte. Mas as inundações de verão não são incomuns”, explica Harrigan.
  3. Além da chuva, outra condição colaborou para o desastre?
    Shaun Harrigan afirma que, como ocorre em muitos eventos nesta parte da Europa, não apenas a chuva no dia do desastre é importante, mas também as condições do solo antes do evento. “O que é importante aqui é que o solo antes da inundação também estava úmido. Isso significa que, quando a chuva cair, o solo terá menos chance de absorvê-la”, explica o pesquisador do centro europeu de previsões meteorológicas.
  4. Por que a tempestade pode estar ligada ao aquecimento global?
    Os especialistas ouvidos pelo G1 apontam que não há conclusão definitiva, mas que as caraterísticas desta tempestade permitem que ela seja classificada como um “evento climático extremo”. E que as mudanças do clima tornam esses eventos extremos mais comuns.

“O que sabemos é o contexto desse evento: a atmosfera está mais quente do que costumava ser. Sabemos com certeza que a atmosfera mais quente pode reter mais água e, portanto, quando essa água cai no solo, está caindo com muito mais intensidade do que estaríamos preparados. Outra característica é a maneira como a tempestade se moveu: é lenta – na verdade, há pesquisas recentes mostrando que a mudança climática deve reduzir a velocidade das tempestades”, afirma Shaun Harrigan.

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Harrigan destaca que o que foi visto na Alemanha é “inteiramente consistente com o corpo de evidências científicas que temos sugerido há algum tempo” sobre as mudanças climáticas.

“No momento, o que não posso comentar é até que ponto esse evento específico é natural ou causado pelo homem. Vai haver muitos estudos sobre isso, mas sabemos por todas as pesquisas que isso é exatamente consistente com o que temos visto”, define o cientista.

O pesquisador e meteorologista Lincoln Muniz Alves, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explica que a mudança do clima provoca o aquecimento na atmosfera, que aumenta a capacidade da atmosfera de absorver umidade. “Com isso, está associado o aumento dos eventos extremos – em particular, nesse caso, com as chuvas intensas”, diz Alves.

“A maior parte dos estudos indicam o aumento da frequência e da intensidade desses eventos extremos. A gente não pode associar diretamente um evento em particular à mudança do clima, mas podemos dizer que a mudança do clima já está aumentando a frequência desses eventos climáticos extremos e muitos deles já foram agravados pelo aquecimento global”, afirma Lincoln Alves.