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Tudo indica que Roberto Zampieri, advogado assassinado com 12 tiros em Cuiabá (MT), era membro ativo de uma rede que subornava juízes e desembargadores e negociava decisões judiciais até mesmo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a segunda Corte mais importante do país.
Em sigilo, a Polícia Federal está investigando a venda de sentenças no gabinete de ministros do STJ.
A pista que colocou delegados e agentes no rastro do que pode se transformar num escândalo de corrupção em Brasília estava na cena do crime de Cuiabá — um celular caído no chão do carro, próximo ao corpo do advogado.
O telefone pertencia a Zampieri.
Reportagem realizada pela Revista Veja revela como funcionava o esquema e o andamento das investigações.
Transcrevemos alguns trechos:
“Os familiares do morto tentaram impedir a apreensão do aparelho. Sem sucesso, queriam evitar que os policiais acessassem os dados, argumentando que havia ali segredos profissionais entre advogado e clientes.
Juízes e desembargadores de Mato Grosso também se mobilizaram com o mesmo objetivo. Um magistrado chegou a enviar um preposto à delegacia e conseguiu reaver o celular.
O aparelho, de fato, guardava segredos profissionais que explicavam tamanha movimentação. Em busca de alguma informação que pudesse ajudar a elucidar o assassinato, os investigadores encontraram diálogos que versavam sobre compra de sentenças, comprovantes de repasses financeiros a juízes do estado e provas cabais de corrupção em gabinetes do Superior Tribunal de Justiça.
Para preservar o material, promotores do Ministério Público de Mato Grosso fizeram uma cópia e a encaminharam ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
(…)
Diante das evidências, o CNJ encaminhou o caso à Polícia Federal e também à presidência do STJ. As investigações estão em andamento.
(…)
Rascunhos das decisões dos magistrados, as chamadas minutas, eram repassados pelos funcionários do gabinete a lobistas e advogados.
Com o material em mãos, o grupo procurava a parte interessada no processo e fazia a oferta. Se a propina fosse paga, a minuta se transformava no veredicto do ministro. Caso contrário, era modificada e beneficiava a parte contrária.
As conversas, os documentos e os comprovantes de pagamento encontrados no celular de Zampieri revelam que o comércio de sentenças operava há pelo menos quatro anos.
Em um dos diálogos, um lobista identificado como Andreson Oliveira Gonçalves encaminha a Zampieri a “minuta” de uma decisão que poderia ser tomada por um dos ministros citados em um processo de interesse da quadrilha. Combinado o pagamento, dias depois, veio o veredicto.
‘Até a vírgula é igual’, comemorou o lobista, ao comparar o rascunho e a decisão final.
Semanas depois, o mesmo lobista enviou um áudio ao parceiro em tom ameaçador. O motivo: o pagamento ao servidor do STJ estava atrasado e poderia comprometer a continuidade do esquema.
‘Zamp, não pode brincar com eles, não. Falou no dia, tem que cumprir’, reclamou.
Em uma segunda mensagem, referindo-se a um outro processo em tramitação no STJ, Andreson cobra o pagamento de 50 000 reais ao ‘amigo’ e avisa que em breve estaria no banco para fazer uma transferência que consolidaria a compra de uma nova decisão judicial.
(…)
Cada ministro do Superior Tribunal de Justiça tem à disposição uma equipe de assessores de gabinete.
Cabe a eles, entre outras atividades, preparar as minutas que subsidiam as decisões do magistrado, através da análise de documentos nos autos. Se mal-intencionados, eles podem de fato manipular essas informações e induzirem os magistrados a erro. Por isso, sigilo e confiança são fundamentais nessa relação, mas, ao que parece, ambos foram quebrados. VEJA teve acesso a quatro minutas que foram compartilhadas pela quadrilha. Encontradas no celular do advogado morto, elas estão balizando as investigações da PF sobre a atuação dos funcionários do STJ na venda de decisões.
São casos cujos valores ultrapassam 100 milhões de reais. Envolvem o litígio de um grande banco, um antigo magnata do algodão, um recurso ‘conduzido’ para o gabinete de um determinado ministro e até o desfecho sobre uma busca e apreensão no âmbito da Operação Faroeste, que apura a participação de desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia em crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
‘Esses documentos não deixam sombra de dúvida de que as minutas eram repassadas a terceiros e, depois de negociadas, se transformavam em decisões’, diz uma autoridade com acesso ao caso.
Há cerca de dois meses, depois da notificação do CNJ, os quatro ministros citados nas mensagens foram convocados para uma reunião.
Na ocasião, a então presidente do STJ, Maria Thereza de Assis Moura, informou os colegas sobre o caso, ressaltou que a suspeita recaía sobre os assessores e anunciou a abertura de uma investigação interna, que caminharia em paralelo às apurações da PF. Ao ouvirem o relato, dois magistrados, indignados, disseram que colocariam a mão no fogo pela equipe. Os outros dois consideraram a possibilidade de demitir imediatamente os subordinados. Em nota, o STJ confirma que está investigando o caso, mas que não pode adiantar nenhuma informação.”