Um médico e ex-vereador de Divinópolis, Centro-Oeste de Minas Gerais, tem causado desinformação pelas redes sociais após publicar um vídeo no qual exige revacinação contra a COVID-19. O profissional da saúde mostrou um exame para justificar uma teoria desmentida por Anvisa e Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Preocupada com a repercussão do vídeo, publicado na noite dessa segunda-feira (12/7), a Prefeitura de Divinópolis publicou um esclarecimento nesta terça-feira (13/7) para afastar a desinformação. No posicionamento, a gestão municipal cita fundamentos científicos respaldados por notas técnicas.
Teoria refutada
O autor do vídeo é Delano Santiago, conhecido como Dr. Delano, vereador de Divinópolis entre 2013 e 2020. Também formado em enfermagem, ele é dermatologista e atua como clínico em posto de saúde da cidade.
Com quase 1 milhão de seguidores no Instagram, Dr. Delano é bastante atuante nas redes. Na noite de segunda-feira (12/7), publicou um vídeo no qual mostra um exame e alega que a vacina recebida contra a COVID-19 foi ineficaz.
“Não adquiri anticorpos”, alega em um trecho. “10% de resultado, quando deveria ter dado acima de 20 ou 50%”, afirma. “Estou exigindo uma nova vacinação por direito, estou no grupo de frente atendendo coronavírus”, finaliza, ao sustentar que, por não ter um índice alto de anticorpos, precisa ser imunizado novamente – teoria refutada por fundamentos científicos.
O ex-vereador, inclusive, já protagonizou outra polêmica na pandemia do novo coronavírus ao se revoltar contra os protocolos para realização de testes de detecção da doença.
Fundamentações científicas
Por causa da repercussão, a prefeitura de Divinópolis e profissionais da saúde especializados no tema se manifestaram. Todos explicaram que o exame realizado por Dr. Delano, de dosagem de anticorpos, é desaconselhado justamente porque é falho para testar a imunidade contra a COVID-19.
“A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), por meio de nota técnica de 26/03/2021, esclarece que a resposta imunológica desenvolvida pela vacinação não depende apenas de anticorpos neutralizantes”, diz a prefeitura no esclarecimento (leia a íntegra abaixo).
“A Agência Nacional de Vigilância Nacional (Anvisa), em nota técnica sobre o assunto, afirma que não existe, até o momento, definição da quantidade mínima de anticorpos neutralizantes necessária para conferir proteção imunológica contra a infecção pelo COVID-19”, cita a gestão municipal, definição que segue a linha da SBIm.
Estudos esclarecem que a estimulação do sistema imunológico gera também anticorpos não neutralizantes que agem de maneira diferente. “Além disso, aliada à resposta imune específica, contamos também com a imunidade inata, mais um mecanismo de proteção contra infecções”, continua a prefeitura, ao reproduzir posicionamento da sociedade de imunizações.
Reação de especialistas
O vídeo também gerou reação de especialistas no tema. A infectologista Rosângela Guedes, ex-membro da Comissão de Enfrentamento à COVID-19 da cidade, seguiu a mesma linha adotada por Anvisa e SBIm. “Nossa resposta imunológica é bastante complexa. Não se resume apenas à presença de anticorpos. Existe um mecanismo de resposta celular que não podemos mensurar”, postou nas redes sociais.
A estudiosa disse ainda que ausência de anticorpos não significa que a vacina não foi eficaz. “Estudos já mostraram o papel da imunidade celular em indivíduos que já tiveram a COVID-19 e também em vacinados”, afirmou.
O professor de imunologia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Rafael Gonçalves Neto, participou do programa “Conversando Saúde”, da unidade de ensino.
Neto citou que a Sociedade Brasileira de Imunologia, a Organização Municipal de Saúde (OMS), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (EUA) não aconselham a utilizar testes sorológicos para detecção de imunoglobulina totais ou neutralizantes como determinantes na eficácia vacinal da COVID-19.
“Primeiro que os testes utilizados para detectar os anticorpos, normalmente, não tem eficácia muito alta. Então o indivíduo que às vezes tem exame negativo após a vacinação pode acreditar que a vacina não funcionou, assim como um indivíduo que tenha a concentração elevada desses anticorpos neutralizantes pode acreditar que está totalmente protegido contra a doença e isso pode não ser a realidade” esclareceu.
Para determinar a eficácia da vacina são considerados os ensaios de fase clínica e os estudos da população imunizadas. “Após a aprovação das agências reguladoras, vários estudos são desenvolvidos na população imunizada, e eles vem confirmando que as vacinas contra a COVID tem alta eficácia do ponto de vista coletivo”, destacou.
Nota da prefeitura de Divinópolis:
“Diante dos crescentes questionamentos sobre a realização de exames para avaliar a eficácia de vacinas e das solicitações de doses adicionais de imunobiológicos, a Secretaria Municipal de Saúde (Semusa), por meio da Central de Imunização, vem através desta nota, descrever e apresentar algumas fundamentações científicas que desaconselham a realização de testes de dosagem de anticorpos neutralizantes para avaliar a proteção imune contra Covid-19 gerada por meio dos imunobiológicos.
A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), por meio de nota técnica de 26/03/2021, esclarece que a resposta imunológica desenvolvida pela vacinação não depende apenas de anticorpos neutralizantes. Há a estimulação do sistema imunológico de forma mais ampla, gerando também anticorpos não neutralizantes que agem de maneira diferente e a estimulação de células TCD4+ e TCD8+ (imunidade celular). Além disso, aliada à resposta imune específica, contamos também com a imunidade inata, mais um mecanismo de proteção contra infecções. Nesse sentido, a complexidade que envolve a proteção contra a doença torna desaconselhável a dosagem de anticorpos neutralizantes com o intuito de se estabelecer um correlato de proteção clínica.
A Agência Nacional de Vigilância Nacional (ANVISA), em nota técnica sobre o assunto, afirma que não existe, até o momento, definição da quantidade mínima de anticorpos neutralizantes necessária para conferir proteção imunológica contra a infecção pelo covid-19. Dessa forma, não há embasamento científico para recomendar o uso destes testes laboratoriais para determinar proteção vacinal.
Os imunobiológicos em uso no Brasil passaram por análise e autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os municípios brasileiros devem seguir o esquema vacinal e dosagem estabelecidos pela Anvisa e que foram definidos após estudos clínicos específicos.
O Ministério da Saúde (2021) informa que, os indivíduos que iniciaram a vacinação contra a Covid-19 deverão completar o esquema com a mesma vacina. Afirma também que, indivíduos que, por ventura, venham a ser vacinados de maneira inadvertida com duas vacinas diferentes ou com esquemas vacinais com quantidade de doses ou com prazos inadequados deverão ser notificados como um erro de imunização e serem acompanhados com relação ao desenvolvimento de eventos adversos e falhas vacinais.
Diante desse contexto, no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra Covid-19, fica estabelecido que não se recomenda a administração de doses adicionais de vacinas”.